O mundo é um lugar maravilhoso, desde que morram as pessoas certas.

Foi isso que eu ensinei a eles todos, essa verdade incontestável. Dei o exemplo, matei as pessoas que deveriam morrer, tornei este mundo um lugar melhor, e eles me colocaram nessa gaiola. Deveriam me agradecer, mas como são tão burros, não entenderam nada. Mas vão entender, vão sim, de uma maneira ou de outra.

Eles pensam que essas grades são uma grande punição pra mim, mas não me incomodo nem um pouco. Hoje o que sobrou aqui foi apenas uma casca, um corpo fétido e gelatinoso que não tem mais função nenhuma, e que pode ser dispensado a qualquer momento, jogado nessa latrina imunda. Meu espírito está na obra que deixei lá fora, no meu legado para a humanidade. Eu vivo lá, e viverei para sempre, não sou uma pecinha qualquer, sem nenhuma conexão, que empobrece esse mundo, sou um dragão de luz, que traz o discernimento sobre a verdadeira vida a este mundo pútrido e ignorante.

Eu sou a luz do mundo!

Há alguns dias, aquele psicólogo medíocre veio me analisar, dar o seu parecer sobre a minha “insanidade”. Psicótico, sociopata, sádico, me chamou de tantas coisas sem sentido, isso sim eram sandices sem tamanho. Eu ri da cara dele, ele é um idiota, um ignorante, não entendeu nada do que eu disse, e olha que repeti tantas vezes que até me cansei. Tudo o que fiz foi demonstrar como transformar esse mundo na maravilha que ele pode se tornar. Quem morreu, tinha que morrer, era o que mereciam. De certa forma podem ser considerados sacrifícios pela vida. Mas não, não eram sacrifícios coisa nenhuma, eram a sujeira que deveria ser limpa, o cisco a ser retirado do olho, o tumor a ser extirpado. Ele então me perguntou se eu não tinha remorso pelo que fiz. Como posso sentir remorso? Fiz do mundo um lugar muito melhor, ele deveria me agradecer. Mas ele não entendeu nada, é muito burro. Talvez ele merecesse morrer também. Se eu o tivesse conhecido antes… mas disse a ele para aguardar, que no momento certo, minha mensagem será compreendida e ele então irá finalmente contemplar toda a sua grandeza. Tudo o que ele disse quando saiu é que minha mente é traiçoeira como um ninho de cobras. Pobre coitado.

A mãe daquele palhaço engomadinho veio me visitar. Matei ele depois de ver a vida vazia e corrupta que ele levava, e foi uma morte lenta, daquelas de encher os olhos. Chego a salivar de emoção. Ela chegou toda cheia de pose, falando em Deus, queria orar comigo. Disse então que me perdoava, apesar de tudo. Respondi educadamente à altura: “Me perdoava? Me perdoava pelo que, sua vagabunda? Apesar de tudo? Apesar do que? Seu filho não passava de excremento neste mundo, uma imundície que deveria ser limpada e retirada, e foi o que eu fiz. Você deveria me agradecer, pois tem agora um mundo melhor para viver, e se não entende isso, então deveria ter morrido junto. Eu sou a luz que iluminou este mundo e agora todos saberão o caminho”. Ela, chorando, também perguntou se eu não me arrependia do que fiz. Mais uma idiota que sobrecarrega a humanidade, mais um fardo para ser carregado e atrasar o caminho a ser seguido. “Claro que não me arrependo, sua vaca, o que fiz foi uma obra linda e perfeita”. Minha nossa… é muito lixo a ser limpo.

Ela ficou impressionada e perturbada, talvez tivesse entendido enfim o que eu estava ensinando. Começou a gaguejar, chorar e chamar por Deus, e então o policial que a acompanhava me bateu e a retirou da sala. Tudo o que pude fazer foi rir, gargalhar daquela insignificância que se descortinou na minha frente, e assim que o policial voltou me deu outro soco na cara, o que fez com que muito sangue saísse do meu nariz, e isso só me fez gargalhar ainda mais. Era um bosta, que achava que estava acima de mim. Pobre coitado.

Não matei nenhum policial, talvez porque estivesse a todo momento torcendo por eles, para que conseguissem me encontrar. Durante toda a minha doutrinação, eu estive do lado deles, esperando que fossem competentes o suficiente para me apanhar, o que completaria meu trabalho. Mas agora, vendo aquele excremento fardado, se achando superior a mim, me veio à mente que poderia ter me divertido recolhendo mais esse tipo arrogante de lixo.

Trancado aqui nesta cela, tudo o que sinto falta é de degustar o sofrimento, a dor que aqueles idiotas sentiam durante a purgação que eu impus a eles. Era uma sensação tão pura, tão sublime. Aquela dor, aquele desespero, me alimentavam, eu os sentia entrar pelas minhas veias, preencherem todo o meu sangue e galgarem através dele para todos os órgãos do meu corpo. Era uma sensação de completude que eu sentia em mim. E aquilo trazia o sentimento de poder, naquele momento eu era como um deus, um ser de luz que tinha o mundo a seus pés. Não era mais um simples ser humano, era algo muito maior, fazia parte de um poder acima de tudo o que se conhece neste mundo. Era meu êxtase, meu ápice, um clímax que me entregava a plenitude de todas as coisas.

Mas eu não gostava do sangue especificamente, como muitos jornais fizeram todos acreditar. Havia sim o seu prazer em vê-lo escorrer, ou mesmo em algumas técnicas menos apuradas e mais brutais, vê-lo espirrar para todos os lados, mas não era isso que eu mais apreciava. Era sim a dor, a desolação, o desespero, que após um tempo se transformavam em desânimo, abatimento, prostração, assim que percebiam que estavam condenados à morte, e não apenas à ausência de suas vidas, mas à “minha” morte, em que cada sopro de dor deles fazia meu peito arder de paixão.

Sim, disso eu sentia falta.

Descobri este meu propósito ainda jovem. Quando meu pai morreu, e não fui eu que matei, que fique bem claro, eu o vi agonizando por vários dias no hospital, e isso me trazia muito prazer. Todos lá estavam chorando, sofrendo por ele, menos eu, pra mim estava sendo uma experiência única, e as primeiras faíscas da chama da minha paixão já se acendiam em meu peito. O velho era um safado mesmo, sempre querendo me dizer o que fazer, sempre dizendo que me amava, e me adulava para ver se eu demonstrava algum carinho por ele. Mas ele era um idiota, hoje eu vejo como ele também era um lixo, mas esse se foi sozinho. E ele foi pródigo em me trazer a sensação de prazer, sofreu por vários meses antes de morrer, e durante esse tempo eu pude aprimorar minhas técnicas e compreender melhor como essa transfusão de poder chegava até meu sangue, até minha mente, até minha alma. Pouco antes de morrer, seu sofrimento já não me satisfazia mais. Ficou muito pobre, muito fraco.

Eu saía então com meus colegas, todas as noites, vagando pelas ruas. Meu pai, apesar de um safado, era rico e meus amigos também eram da alta classe. Uma de nossas principais diversões era espancar mendigos e jogar ovos podres nas pessoas que estavam nos pontos de ônibus, até que um dia eu disse que deveríamos pôr fogo nos mendigos e não espancá-los, o que já estava ficando sem graça. Todos ficaram nervosos com minha proposição, mas assim que expliquei a eles o quanto os mendigos eram uma praga para nossa cidade, que só serviam para poluir as ruas com sua imundície e para pedir esmolas a todos, então eles entenderam que isso era algo justo e aplicável. O primeiro mendigo incendiado foi fantástico. Enquanto todos queriam correr de medo pelo que fizeram, eu não conseguia mexer sequer um músculo, os gritos daquela coisa ardente, seu desespero, sua agonia enquanto as chamas tomavam conta de seus trapos e tocavam sua pele pútrida, tudo isso me fazia sentir uma sensação muito mais poderosa do que a que sentia com meu pai. Aquilo tomou conta do meu corpo inteiro, meus olhos queimavam com a tocha humana na minha frente, mas queimavam de prazer. O poder que senti emanando de cada poro do meu corpo foi algo indescritível, e neste momento entendi qual era o meu destino.

Para os demais garotos, havia sido apenas uma diversão, o gosto de fazer algo proibido, pelo simples fato que podiam. Mas para mim foi um momento sublime. Eles não compreendiam a importância do que estávamos fazendo. Estávamos limpando o mundo de sua sujeira, de seu lixo. Com o tempo descobri que não eram apenas os mendigos o lixo a ser recolhido, e vi o quanto de podridão há neste mundo. Após mais dois mendigos tostados, já não mais me contentava com esses seres insignificantes, havia sujeira muito maior e mais danosa ao mundo para ser limpa, então separei-me dos meus velhos amigos e segui o caminho que me havia sido destinado.

Eu matei muitos sim, mas não foram simples mortes, eu estava limpando toda a podridão que circundava cada um daqueles corpos pútridos, e a imundície maior que estava no interior de cada um deles, o que me obrigava a eviscerar cada um, e tinha que ser da forma mais agonizante possível, para que o que restasse pudesse estar totalmente purgado de sua sujeira.

E como foi bom o meu período de doutrinação. E foram momentos tão sublimes para minha alma, que a cada morte eu deixava um pouco de mim em meu trabalho, até que só sobrou esta casca vazia que está enjaulada agora. O que sou, o que realmente sou, está lá fora, vive no meu legado para a humanidade, agora sou imortal e viverei em cada momento de dor que o processo de limpeza vai exigir. Estou livre.

Desde que me prenderam aqui, já recebi dezenas, centenas de cartas de admiradores do meu trabalho, pessoas que entenderam o meu recado, que aprenderam a minha doutrina. Nisso que eu vivo hoje, em cada um deles. Aqui não me deixam responder meus fãs, mas se pudesse daria um beijo em cada um deles e detalharia como todo o processo deveria ser feito. Mas eles sabem, já devem ter recebido todas as instruções do meu espírito que está entranhado na minha mensagem. Serão os seguidores da minha obra. Completarão o que ainda falta.

Agora as portas estão se abrindo, receberei uma visita especial. Querem escrever um livro sobre mim, já acertei todos os detalhes e minha vida será o exemplo a ser seguido daqui pra frente. Meu agente está chegando para assinarmos o contrato. Já fiquei sabendo de antemão a novidade que ele está me trazendo, querem também que minha história se torne um filme. Ah, quanto mais gente receber a mensagem, melhor, pois há muito, mas muito mesmo, trabalho a ser feito.

Afinal, este mundo é mesmo um lugar maravilhoso, mas isso desde que morram as pessoas certas.

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